quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Brasil no novo mundo

As mudanças climáticas estão alterando as regras de competição na economia global. Confira, abaixo, como o Brasil se situa na nova geopolítica do carbono

Pontos fortes


As grandes empresas estão assimilando o aquecimento global: Algumas das maiores companhias brasileiras já despertaram para o problema. Além de adotar as melhores práticas de sustentabilidade, elas monitoram as alterações do clima, elaboram cenários estratégicos e difundem conceitos de governança climática entre fornecedores e parceiros.

A matriz energética é limpa: Ao todo, 80% da energia elétrica consumida no país vem de usinas hidrelétricas, que emitem baixos volumes de gás carbônico. Além disso, o governo brasileiro está disposto a diversificar essa matriz por meio de investimentos que também contemplem fontes de energia renovável, como a eólica e a de biomassa. Para isso, conta com o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

Há políticas bem-sucedidas na área de combustíveis alternativos: Desde a crise do petróleo, nos anos 70, o Brasil desenvolve políticas de estímulo à produção de combustíveis alternativos - tais como o álcool. Entre 1975 e 2000, estima-se que o país tenha deixado de emitir 110 milhões de toneladas de carbono devido à substituição da gasolina pelo álcool. Hoje, a Petrobras também desenvolve projetos na área de biodiesel, feito a partir de oleaginosas como a soja, a mamona e o dendê.

Oportunidades

Florestas nativas podem entrar no mercado de carbono: A ONU estuda a possibilidade de incluir novos mecanismos para a compra e venda de créditos de carbono. Um deles é conhecido como REDD, que oferece compensações financeiras em troca da simples garantia de que áreas de floresta nativa continuarão de pé. Dono da maior reserva florestal do planeta, o Brasil terá muito a ganhar caso o REDD entre no cardápio dos créditos de carbono.

O bloco dos emergentes carece de uma liderança: Na última Conferência do Clima realizada em Bonn, em junho deste ano, o Brasil foi o único a apresentar uma proposta com novas metas
de redução nas emissões dos países ricos. O documento foi entregue em nome de 37 nações em desenvolvimento e, de certa forma, impediu que a conferência fracassasse por completo. O Brasil pode assumir de vez a liderança do bloco dos emergentes nos fóruns internacionais sobre o clima.

Potencial de aumento na demanda por biocombustíveis: Os esforços globais para reduzir a queima de combustíveis fósseis podem favorecer os países que detêm tecnologia para a produção de energia renovável. Nesse caso, o Brasil terá grandes oportunidades nos mercados de álcool ou de biodiesel - tanto para a exportação de combustível quanto para a venda de tecnologia.

Pontos fracos

Ainda são poucas as empresas que adotam práticas de sustentabilidade: Por enquanto, somente as grandes companhias brasileiras estão comprometidas com políticas de redução dos gases causadores do efeito estufa. As demais até reconhecem a importância do tema, mas não tomam medidas concretas. Em muitas, ainda vigora a ideia de que a sustentabilidade freia a competitividade econômica.

Não há uma política nacional de mitigação do carbono: Dezessete anos depois da Rio-92, o Brasil ainda carece de um plano concreto para enfrentar o aquecimento global. O projeto de lei que prevê a criação da Política Nacional de Mudanças Climáticas já tramita no Congresso, desde 2007, e deverá ser votado somente no final deste ano. Antes mesmo de ser aprovado, porém, o texto já é criticado por ambientalistas e ONGs.

Faltam investimentos em tecnologias de descarbonização: A maioria dos esforços do Brasil para retirar carbono da atmosfera está no combate aos desmatamentos da Amazônia. Pouca atenção é dada à mitigação dos gases gerados na matriz energética, no processamento de petróleo e demais atividades intensivas em tecnologia. O país corre o risco de, no futuro, ficar dependente de tecnologia estrangeira de descabornização. E terá de importar.

Ameaças

O agronegócio é vulnerável às mudanças climáticas: Com mais de um quarto do PIB calcado no agribusiness, o Brasil é, hoje, um dos países mais expostos às prováveis alterações do clima. Alguns cenários mostram que o sudeste pode perder a capacidade de cultivar café - que deverá migrar para o sul. Já o centro-oeste poderá se tornar inóspito para algumas variedades de grãos, especialmente a soja.

Estados Unidos e China poderão impor as regras do jogo: Os dois países se recusam a assumir as metas traçadas em Kyoto para a redução na emissão de gases do efeito estufa. Juntos, porém, americanos e chineses podem costurar um acordo bilateral para ditar o ritmo das próprias reduções. Se isso acontecer, tanto o Brasil quanto os demais países do G-20 perderão poder de negociação nos fóruns internacionais sobre o clima.

Novas barreiras não tarifárias podem surgir nos mercados do Hemisfério Norte: Com o pretexto de que precisam reduzir suas emissões de CO2, os países mais ricos podem instituir novas barreiras protecionistas, tais como normas e restrições ambientais. O custo para acessar esses mercados também se tornará maior, especialmente para os países que não têm a obrigação de emitir menos carbono - como é o caso do Brasil.

O clima vai pesar

O aquecimento global leva grandes empresas a repensar seu modelo de negócios para combater o efeito estufa – ainda alvo de polêmica entre os cientistas


Em novembro do ano passado, o Vale do Itajaí foi arrasado por uma das enchentes mais violentas da história de Santa Catarina. Em apenas 30 dias, a região registrou um volume de precipitações equivalente ao de um ano inteiro. Cerca de 1,5 milhão de pessoas foram atingidas pelas cheias, 78 mil ficaram desabrigadas e pelo menos 16 morreram. Só no Porto de Itajaí, o maior de Santa Catarina, a força das águas destruiu metade das docas e deixou prejuízos estimados em R$ 350 milhões - sem contar os custos de paralisação e atrasos que os exportadores tiveram de amargar. O curioso é que, na época, Santa Catarina havia acabado de superar um problema exatamente oposto: a falta de chuvas. "Foi algo muito diferente de tudo que a gente já havia visto", resume Robert Grantham, diretor comercial do Porto de Itajaí. "Mesmo assim, ainda não estou convencido de que isso foi provocado por uma mudança no clima", enfatiza.

É compreensível a cautela. Os próprios meteorologistas ainda não afirmam com segurança se esses eventos são fenômenos extraordinários da natureza ou sintomas diretos do aquecimento global. A única certeza é que o clima está realmente mudando. Não é à toa que grandes companhias como Petrobras, Vale, Bradesco e outras vêm trabalhando para mapear os prováveis efeitos do aquecimento global. "São companhias que têm uma visão de futuro muito apurada. Elas não estão dispostas a esperar o pior acontecer. Fazem de tudo para se antecipar a eventuais ameaças ou oportunidades decorrentes das mudanças no clima", conta Giovanni Barontini, coordenador da consultoria Fábrica Ethica e representante, no Brasil, do Carbon Disclosure Project (CDP) - entidade internacional cuja missão é convencer as empresas a incorporar o conceito de "governança climática".

Em outras palavras, o aquecimento global está se tornando pauta obrigatória na agenda dos negócios. Hoje, ninguém mais ousa falar de crescimento sem levar em conta as prováveis transformações do clima. Não por acaso, a ONU está preparando uma convenção que deverá redefinir a maneira como os governos e as empresas buscam o desenvolvimento econômico. Em dezembro deste ano, os líderes dos 192 países signatários da Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima se reunirão em Copenhague, na Dinamarca, com a missão de firmar um novo acordo para reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa. A expectativa é que desse encontro saia uma espécie de "parte 2" do Protocolo de Kyoto - desta vez, com metas mais ambiciosas e um plano de execução mais realista. Se tudo der certo, os Estados Unidos também assumirão compromissos formais de "descarbonização". Aí não haverá saída. Praticamente todas as grandes economias do planeta estarão em busca de soluções para o aquecimento global e, inevitavelmente, forçarão o resto do mundo a trilhar o mesmo caminho. "Pela primeira vez, teremos um acordo de verdade para enfrentar esse problema", resume Rachel Biderman Furiela, coordenadora do Centro de Estudos em Sus¬tentabilidade da FGV (GVCes).

Há razões de sobra para tanta mobilização. A primeira e mais importante delas é que as mudanças esperadas no clima não são nada sutis. Todas as projeções - tanto as otimistas quanto as catastróficas - revelam que as consequências do aumento das temperaturas serão duras para a sociedade e para a economia, especialmente nas regiões pobres do planeta. Nos cenários mais moderados, haverá uma multiplicação dos chamados "eventos extremos climáticos" - vendavais, tufões, secas, enxurradas etc. "Hoje, por exemplo, os fenômenos relacionados ao El Niño estão se repetindo em frequência e intensidade cada vez maiores", relata Paulo Moutinho, coordenador-geral do Observatório do Clima, uma rede de articulação entre pesquisadores e ambientalistas que tenta influenciar o governo na adoção de políticas pró-clima.

Logo, não é por idealismo que grandes empresas estão começando a colocar variáveis climáticas nas suas estratégias de negócios. É para evitar prejuízos. As mudanças no clima, quaisquer que sejam, podem destruir mercados e inviabilizar negócios. Especialmente no Brasil, onde a economia - altamente dependente do agronegócio - sempre se mostrou frágil ante as oscilações do clima. Muitos climatologistas acreditam que, com o aumento das temperaturas e mudanças na dinâmica das chuvas, é provável que algumas regiões percam a capacidade de cultivar determinadas variedades de grãos e até de produzir energia. No centro-oeste, por exemplo, a tendência é de queda permanente nos índices de chuva, o que pode comprometer a viabilidade das lavouras de soja. Já o sudeste tende a sofrer ondas de calor cada vez mais violentas, o que forçará a migração do café e da cana-de-açúcar para o sul. "Não há dúvidas de que a nossa capacidade de produzir alimentos será afetada de uma forma ou de outra", aponta o climatologista Carlos Nobre, coordenador-geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe - órgão que é ligado ao Ministério da Ciência a Tecnologia.

Nos últimos 100 anos, a temperatura média do planeta subiu 0,74 grau centígrado. A maior parte desse aquecimento, porém, aconteceu somente nas décadas mais recentes. Dos 12 anos mais quentes registrados pela ONU, desde 1850, nada menos do que 11 ocorreram depois de 1995. Ou seja: o fenômeno está diretamente relacionado à atividade industrial e à queima de combustíveis fósseis. A consequência dessa súbita febre global é conhecida: aos poucos, o mar está avançando sobre a terra. De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), o nível médio dos oceanos vinha crescendo 1,8 milímetro por ano desde 1961. A partir de 1993, porém, essa taxa passou para 3,1 milímetros por ano. "É fato que o mar está subindo. Resta saber quanto subirá nos próximos anos. Pode ser uma dezena de centímetros e pode ser mais de um metro. Tudo depende de como o mundo enfrentará o problema do aquecimento", explica Carlos Nobre.

Risco calculado

Enfrentar o problema é urgente, mas tem um custo - por sinal, alto. Ao todo, os esforços para retirar carbono da atmosfera e interromper a elevação dos termômetros deverá consumir algo entre 1% e 2% do PIB global nos próximos 50 anos, segundo as estimativas do "Relatório Stern", divulgado em 2006 pelo economista britânico Nicholas Stern. Em compensação, o preço da inação tende a ser ainda maior. Segundo Stern, se nada for feito, os governos e as empresas acumularão prejuízos equivalentes a 20% do PIB mundial nas próximas cinco décadas. Não é por acaso que, hoje, os países mais ricos do mundo estão engajados na tarefa de estabelecer uma economia global de baixo carbono. Na Europa, nos Estados Unidos e até na Ásia, há uma corrida declarada pelo desenvolvimento de tecnologias limpas. Empresas destinam investimentos crescentes a inovações capazes de atenuar o efeito estufa. Já os bancos pedem cada vez mais contrapartidas ambientais em troca da concessão de financiamentos. Em maio, Barack Obama anunciou um rigoroso pacote de medidas para elevar a eficiência energética da indústria automobilística nos Estados Unidos. Agora, as montadoras que quiserem contar com benefícios fiscais ou com o socorro financeiro da Casa Branca - como foi o caso da General Motors, no início deste ano - terão de produzir veículos mais leves e menos beberrões. "Estamos diante de um novo ciclo de inovações. Um ciclo que vai guiar o capitalismo daqui para a frente", pensa o economista José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) da USP e autor de 17 livros sobre desenvolvimento sustentável.

No Brasil, porém, ainda são poucas as empresas que tratam o aquecimento global como assunto estratégico - capaz de abrir ou fechar frentes de negócios. De acordo com uma pesquisa da consultoria Gartner, só 18% dos empresários brasileiros levam esse assunto em conta na hora de tomar suas principais decisões. É dessa minoria, porém, que estão saindo as melhores práticas de gestão estratégica do clima, como mostra o último relatório do Carbon Disclosure Project (CDP). O documento relata alguns casos bastante interessantes no Brasil. Um deles é da seguradora Porto Seguro, que vem monitorando a frequência de chuvas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e seus impactos no mercado de seguros. A cada enxurrada, o número de sinistros que a empresa tem de cobrir sobe um pouco mais. "Apenas no mês de fevereiro de 2008, houve 452 casos de perda [de veículos] por alagamento, número 83% maior do que o registrado em 2007", detecta a seguradora.

Já a Braskem, também citada no documento do CDP, teme que o aquecimento global possa levar o governo a aprovar legislações ambientais restritivas demais. "Alguns projetos de lei estão sendo discutidos no Congresso. A aprovação de algumas dessas políticas pode representar risco regulatório para a Braskem em médio prazo, dependendo das metas impostas para a redução de emissões ou os índices mínimos esperados para o desempenho energético setorial". A empresa, porém, não identifica só ameaças no horizonte. "A mudança climática também apresenta oportunidades para se desenvolver novas tecnologias que reduzam as emissões de gases causadores do efeito estufa", diz o relato da Braskem. Coincidência ou não, a companhia foi a primeira do mundo a desenvolver um protótipo de "plástico verde", produzido a partir da cana-de-açúcar, que é renovável.

O que essas empresas têm que as outras não têm? Simples: elas não se contentam em adotar medidas paliativas de sustentabilidade ambiental - tais como comprar máquinas mais eficientes, dar uma destinação adequada a resíduos, estimular a economia de energia etc. Elas também adotam políticas permanentes, baseadas em indicadores confiáveis, para medir e neutralizar a quantidade de carbono que liberam na atmosfera. A Vale é uma referência nesse sentido. Desde 2005, a companhia faz um inventário, em toneladas, de todo o carbono que despejou no ar. Ao mesmo tempo, ela identifica as principais fontes de poluição da sua cadeia produtiva e planeja caminhos para neutralizá-los. O trabalho é extenuante - cada atualização demora cerca de seis meses para ser concluída. "Mas vale a pena. Se não fizéssemos esse inventário, nós teríamos muitas dificuldades para prever as oportunidades, as ameaças e os impactos regulatórios e físicos das mudanças climáticas", conta Renata Araújo, coordenadora de novas economias da Vale.

O inventário também ajuda a empresa a justificar, perante seus acionistas, os investimentos realizados em tecnologias ou programas de sequestro de carbono. Um deles é o "Vale Florestar", projeto que promove o reflorestamento de áreas degradadas da Amazônia ao mesclar espécies nativas com florestas industriais (pinus e eucaliptos). Iniciado em 2007, o projeto já revitalizou 45 mil hectares - 30 mil com mata nativa e 15 mil com eucaliptos. O objetivo é chegar a 450 mil hectares nos próximos 30 anos. O investimento total previsto é de US$ 300 milhões. "É uma das iniciativas mais importantes da nossa política de desenvolvimento sustentável", garante Renata. Graças a esse esforço, diz ela, a Vale já consegue compensar, com sobras, todo o impacto ambiental de suas atividades no Brasil. Para cada hectare degradado, a empresa recupera 1,4.

Foco na Amazônia

A grande vilã do efeito estufa no Brasil é a destruição de vegetação nativa, principalmente da Amazônia. Os dados mais aceitos entre os especialistas dão conta de que os desmatamentos seriam responsáveis por mais de 70% das emissões de gases causadores do efeito estufa no país. Esse índice, cabe dizer, é bastante controverso. Mesmo assim, tem sido suficiente para transformar o combate aos desmatamentos em uma prioridade entre as empresas que adotam políticas de contenção de CO2. É claro que nem todas têm condições de atuar diretamente na floresta, como faz a Vale. Mesmo assim, muitas delas adotam medidas que, de alguma forma, acabam repercutindo na preservação das matas. Um caso recente aconteceu em junho deste ano, quando as três maiores redes de supermercados do país - Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart - suspenderam as compras de carne oriunda de algumas fazendas suspeitas de criar gado em áreas desmatadas da Amazônia. "Desde uma siderúrgica até uma empresa de serviços, todo mundo emite carbono. Na maioria dos casos, as emissões se concentram na cadeia produtiva. Isto é: nos fornecedores de matérias-primas, de energia, de transporte etc", descreve Rachel Biderman, que também é coordenadora do GHG Protocol, projeto que busca difundir uma metodologia de quantificação dos gases de efeito estufa entre as empresas brasileiras.

O Bradesco utiliza duas vias diferentes para ajudar na preservação da Amazônia. A primeira delas é a da intervenção direta. No final de 2007, o banco criou a Fundação Amazonas Sustentável, uma ONG que busca a conservação de determinadas áreas da floresta por meio de um mecanismo conhecido como REDD. "É quase um bolsa-floresta", explica Jean Philippe Leroy, diretor do departamento de relações com o mercado do Bradesco. "A gente procura moradores das comunidades localizadas em unidades de conservação da Amazônia e oferece uma remuneração em dinheiro para que eles mantenham a vegetação nativa de pé", detalha. Em média, a compensação é de R$ 150 por mês. Ao mesmo tempo, o Bradesco utiliza a via indireta - a da cadeia de fornecedores - para difundir os ideais de uma economia de baixo carbono. No ano passado, por exemplo, aderiu a um projeto conhecido como "CDP Supply Chain", promovido pelo Carbon Disclosure Project. Assim, assumiu o compromisso de compartilhar com fornecedores e parceiros o questionário-padrão da entidade, que exercita conceitos de governança climática. "Hoje, o engajamento ambiental é um dos pré-requisitos avaliados na seleção dos nossos fornecedores. Como a margem para se tornar fornecedor do Bradesco é muito estreita, a gente acaba obrigando todo mundo a ter essa preocupação", explica Leroy. Além do Bradesco, fazem parte do capítulo brasileiro do CDP Supply Chain a Vale e a distribuidora de energia Celesc, de Santa Catarina.

Por enquanto, é difícil mensurar o retorno proporcionado pelos investimentos em iniciativas desse tipo. Mas a tendência é que os resultados se tornem tangíveis à medida que as mudanças do clima ficarem mais evidentes aos olhos da sociedade. "O que estamos discutindo, hoje, é a transição para uma economia global de baixo carbono. As empresas que perceberem isso com mais antecedência sairão na frente e terão uma vantagem competitiva", acredita Marina Grossi, diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). E nada impede que a Convenção de Copenhague, no final deste ano, venha a se tornar o marco definitivo dessa transição. "Nenhuma sociedade poderá continuar agindo como agia antigamente", prevê Marina, que também coordena a Câmara Temática de Energia e Mudança do Clima do Cebds.

Erro de postura

O que impede, então, as demais empresas brasileiras de seguir os exemplos dessa pequena elite? A explicação começa pela postura que o Brasil mantém nas discussões internacionais sobre as mudanças climáticas. Livre da obrigação formal de reduzir suas emissões de carbono, o país tem feito poucos avanços no sentido de harmonizar o crescimento econômico com a preservação do meio ambiente. "Parte do governo ainda trabalha com uma ideia ultrapassada de que a sustentabilidade vai na contramão da competitividade econômica. O resultado é que as nossas melhores iniciativas de enfrentamento do efeito estufa vêm de ações isoladas do Ministério do Meio Ambiente e de uma pequena bancada no Congresso", diagnostica Paulo Moutinho, do Observatório do Clima.

Justamente por isso, o Brasil ainda não tem nenhuma legislação capaz de comprometer as empresas públicas e privadas com metas de contenção do carbono. O projeto de lei que prevê a criação de uma Política Nacional de Mudanças Climáticas ainda é recente - foi lançado em 2007 - e está tramitando no Congresso. A intenção da bancada ambientalista é tê-lo aprovado antes da Convenção de Copenhague, em dezembro. Mas não há garantias de que isso vá acontecer de fato. "Existe uma dissonância muito grande nos discursos de cada área do governo", admite o deputado Rodrigo Loures (PMDB-PR), relator do projeto. "Agora mesmo, por exemplo, o Ministério das Minas e Energia está buscando meios de incentivar a inclusão das termelétricas na matriz energética do país. Isso vai na contramão de tudo que está sendo feito no resto do mundo, no sentido de descarbonizar a energia", aponta Loures.

Por trás dessas contradições, há outro fator que leva o Brasil a se manter à margem de uma economia de baixo carbono. Trata-se da ideia de que o país também tem o direito de poluir para chegar ao patamar de desenvolvimento das nações mais ricas do planeta - que, por sinal, produzem nada menos do que 80% do CO2 lançado na atmosfera. É o mesmo discurso praticado por outras nações emergentes, como a Índia. O gerente executivo de competitividade industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Augusto Jucá, costuma utilizar uma metáfora bem-humorada para explicar essa situação. Para ele, o Brasil está na pele de alguém que chegou atrasado a um almoço e pediu só um cafezinho, mas foi forçado a rachar a conta da comida com todos os convidados. "Hoje, o Brasil está dizendo que até aceita pagar essa conta. Mas desde que possa almoçar também", ilustra.

Esqueça a Amazônia

A verdade é que o Brasil terá de fazer escolhas difíceis para surfar na onda da ecoglobalização. Uma delas tem a ver com o desenvolvimento de tecnologias limpas. Se quiser se destacar nesse mercado, o país terá de rever algumas estratégias e deixar de fora apenas as emissões oriundas dos desmatamentos da Amazônia. A tese é do economista José Eli da Veiga, autor de 17 livros sobre desenvolvimento sustentável. "Não que a questão amazônica não seja importante. O problema é que acabar com os desmatamentos não exige tecnologia intensiva", aponta Veiga, que também é professor titular da Faculdade de Economia da USP. Ele alega que o Brasil deveria investir no desenvolvimento de soluções para os gases oriundos do agronegócio, do setor energético e dos transportes, por exemplo. "Daqui a 20, 30 anos, nós já teremos solucionado o problema do desmatamento, mas estaremos importando toda a tecnologia necessária para segurar o carbono nessas áreas", alerta.

A boa notícia é que, na Petrobras, já há alguns projetos em andamento que podem vir a favorecer o Brasil na geopolítca do carbono. Em dezembro de 2007, por exemplo, a companhia lançou o Programa Tecnológico para a Mitigação de Mudanças Climáticas (Proclima). Trata-se de uma rede temática formada por universidades, centros de pesquisas e outras empresas do setor de petróleo. O objetivo é buscar soluções para atenuar o impacto ambiental e sequestrar o carbono originado da queima de combustíveis fósseis. "Hoje, as empresas de petróleo estão apostando muito nesse tipo de tecnologia", garante Angela Martins de Souza, coordenadora de emissões atmosféricas e mudanças climáticas da Pe-trobras. Além disso, vale lembrar que a empresa vem tendo um papel destacado no desenvolvimento de biocombustíveis. "A verdade é que o Brasil tem uma comunidade empresarial muito jovem e sofisticada", constata o economista belga Gunter Pauli, diretor da Zeri Foundation, uma rede internacional de pesquisadores que desenvolve soluções em sustentabilidade. Pauli garante que a indústria brasileira tem todas as condições de adotar estratégias inovadoras para se sobressair no novo mercado de carbono. "Até porque, hoje, a Europa e os Estados Unidos estão em crise", diz ele. É tudo uma questão de dirimir ameaças e aproveitar oportunidades.

O peso amazônico

Ninguém duvida de que o desmatamento da Amazônia seja responsável por grande parte das emissões de gás carbônico do Brasil. A questão é: quão grande? O único inventário disponível das fontes brasileiras de CO2 é de 2004 e se baseia em dados obtidos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia entre 1990 e 1994. Naquele período, 75,4% das emissões do Brasil podiam ser atribuídas ao que os técnicos chamam de "mudanças no uso da terra e de florestas" - expressão que designa não só os desflorestamentos, mas também as queimadas e outras formas de degradação do solo. Hoje, muita gente troca as bolas e acredita que todo esse percentual se refere à destruição da Amazônia. Ledo engano.

Do total de emissões creditadas às "mudanças no uso da terra e de florestas", 96% correspondiam a desmatamentos em todo o Brasil. Desse subtotal, somente 59% cabiam ao bioma amazônico. O restante se dividia entre o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga e o Pantanal. Isso significa que, na verdade, apenas 42,7% das emissões brasileiras podiam ser creditadas aos desmatamentos da Amazônia até 1994. "De lá para cá, muita coisa mudou. Sabemos que o ritmo de desmatamentos diminuiu e que, ao mesmo tempo, as emissões do setor energético aumentaram. Então é provável que a Amazônia já não tenha tanto peso assim nas nossas emissões de carbono", aponta José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) da USP.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Parcela de brasileiros com conta bancária triplicou, mas setor sofreu concentração

RIO - Quatro décadas após o milagre econômico, os números oficiais apontam 126 milhões de contas correntes no Brasil. Ou seja, 66% dos 191 milhões de pessoas que vivem no país teriam conta. No entanto, especialistas estimam que, na verdade, no máximo apenas metade desse número, aproximadamente 30% da população, ou 60 milhões de pessoas, tenham acesso a todos os recursos da conta corrente, via caixa eletrônico ou internet, para pagar contas, fazer saques, transferências, operações de crédito e aplicações.

Em 1969, quando o caderno de Economia do GLOBO começava a circular, calcula-se que nem 10% da população tinham conta em bancos. Na época, as instituições eram de caráter regional e atendiam preferencialmente a pessoas de classes A e B. Na época, com 93 milhões de habitantes, eram 9 milhões de contas.

Os números do Banco Central incluem cadastros em diferentes bancos mas pertencentes à mesma pessoa, gente que só recebe aposentadoria ou recursos de programas sociais do governo, além de contas-salários.

Antonio Bento Furtado de Mendonça Neto, vice-presidente sênior da consultoria Solving Efeso Group calcula que o número atual seja de 30% da população economicamente ativa, de cerca de 100 milhões, que usam bancos na sua plenitude.

- No fim dos anos 1960, para abrir uma conta corrente, era preciso uma apresentação pessoal ou da empresa. Nos anos 1960, o gerente ficava trancado, era preciso marcar hora com a secretária - lembra Antonio Bento.

Foi justamente nos anos 1970 que os bancos começaram a se popularizar. Com as reformas tributárias do governo militar, e a criação da restituição do Imposto de Renda, as instituições financeiras passaram a ter interesse em movimentar recursos devolvidos à população, ampliando o acesso da classe média ao sistema bancário. Foi também nos anos 70 - com o estouro da bolha do milagre econômico - que tomou força o processo de aquisições dos bancos menores. Estava aberto o caminho para a concentração bancária.

Bancos ganhavam com inflação e hoje cobram juros altos no crédito

Com a integração maior do país, com transmissões de TV via satélite para o país todo, os bancos também se tornaram nacionais. O próprio Itaú, que nasceu Banco Central de Crédito em 1945, passou a se chamar Itaú nos anos 1970, herdando o nome de um banco de Itaú de Minas (MG), adquirido em 1964. Nos anos 1980, uma nova quebradeira decorrente da crise econômica do país acelera as aquisições.

- Com a inflação, os bancos ganharam muito dinheiro, girando no overnight. Hoje, esse é um dos motivos dos juros altos no crédito, pois transferiram esse ganho para os custos - diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Reflexo da hiperinflação dos anos 1980, os valores depositados em conta caíram drasticamente. Corrigido pela inflação, o valor depositado em contas em 1990, segundo o BC era equivalente a apenas R$ 20 bilhões, depois de alcançar R$ 142 bilhões em 1980. Em junho de 2009, este valor chegou a R$ 121 bilhões.

Nos anos 1990, com o Plano Real, ficou mais difícil para os bancos fazer dinheiro apenas "girando", diz José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. É dessa época o Proer, programa de socorro do governo federal, que resultou na compra do Nacional pelo Unibanco, do Econômico pelo Exel, depois pelo BBVA, adquirido pelo Bradesco.

Dos mais de 200 bancos de expressão apenas regional dos anos 1970, o sistema bancário brasileiro passou a poucas instituições de peso. Levantamento da consultoria Austin Rating mostra que, no fim de 2008, os cinco maiores bancos (Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Santander Real e Caixa) reuniam 78,6% do total de ativos do setor, ou R$ 2,33 trilhões de R$ 2,97 trilhões. Em 1994, os cinco primeiros (BB, Bradesco, Itaú e Unibanco ainda separados, e Caixa) reuniam 45% dos ativos.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Juros não caem antes de 2011

Relatório Focus mostra que o mercado não aposta mais em queda na Selic até o final de 2010. Ao contrário: com a economia brasileira de volta aos eixos, a projeção é de que o Copom volte a usá-la como válvula para conter a pressão inflacionária

Divulgada no início desta semana pelo Banco Central, a última edição do relatório Focus traz uma informação um tanto surpreendente: a maioria das instituições financeiras acredita que a taxa básica de juros não vai mais cair até o final de 2010. Ao contrário: a aposta é de que, até lá, a Selic sofra um aumento de meio ponto percentual, chegando a 9,25% ao ano. A projeção - que reflete a média das expectativas de 100 instituições financeiras que atuam no país - vai na contramão daquilo que vinha se desenhando no cenário macroeconômico brasileiro. Com a economia global em vias de se estabilizar e o Brasil aparentemente livre dos empuxos da crise, muitos empresários e analistas esperavam que a Selic continuaria caindo até se equiparar à taxa básica de alguns países desenvolvidos - abaixo dos 5% ao ano.

Como explicar essa reversão nas expectativas? Para Cristiano Souza, economista do Santander, um dos fatores que pesaram foi a perspectiva de que a economia brasileira volte a crescer no ritmo pré-crise. Nesse caso, o BC voltaria a aplicar um velho remédio - o aumento dos juros - para manter a inflação sob controle. "Com o aumento nos índices de consumo, existe esse medo de pressão inflacionária", explica Souza. Diferentemente da média das instituições pesquisadas pelo BC, o Santander trabalha com uma perspectiva de manutenção da taxa básica de juros em 8,75% ao ano até o final de 2010. "Com o crescimento do PIB em 3,5%, que é nossa previsão, a Selic deve ficar estável". Já Denílson Alencastro, economista da Geral Asset, lembra que 2010 é um ano eleitoral. Consequentemente, o governo tende a gastar mais com o funcionalismo público - o que eleva ainda mais o risco de um retorno da inflação.

Para completar, o aumento dos gastos governamentais não seguem uma lógica de sustentabilidade. Em geral, diz Souza, o governo injeta muito dinheiro em salários e contratações, mas pouco em infraestrutura. O resultado são gargalos que só fazem agravar a inflação. "Os investimentos não são cíclicos. Aumentam-se os gastos fixos e sobram poucos recursos para infraestrutura", explica Souza. No primeiro semestre deste ano, lembra ele, as despesas do governo com salários e contratação de pessoal cresceram cinco vezes mais do que os gastos com infraestrutura. "Só consumo e oferta não dão conta de um crescimento sustentável", critica ele.

Na consultoria Tendências, o cenário é mais otimista que a média do mercado financeiro. Enquanto as instituições apontam uma alta de 3,6% do PIB em 2010, a consultoria aposta em um incremento de 4,8%. "É preciso observar a trajetória da atividade, que caiu bastante no último trimestre de 2008 e vem se recuperando gradualmente", destaca Marcela Prado, economista da Tendências. Ela argumenta que o crescimento tende a ser impulsionado pela indústria, que ainda está com bastante capacidade ociosa em função da crise mundial. Para Marcela, o Brasil tem espaço para crescer até o limite da produção industrial sem um impacto maior na inflação - e tampouco na taxa básica de juros.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

4 milhões de brasileiros deixaram a pobreza desde 2002, diz Ipea

Quatro milhões de brasileiros deixaram a linha de pobreza entre o ano de 2002 e 2009, segundo estudo divulgado nesta terça-feira pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A pesquisa constatou, também, que a crise financeira mundial, que se agravou em setembro passado, não prejudicou o ritmo de redução da pobreza no Brasil.


Em março de 2002, a taxa era de 42,5%, e neste ano a taxa passou para 31,1%, segundo o Comunicado da Presidência do Ipea, que se baseia na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são colhidos nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Agência Brasil
O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, no anúncio desta terça-feira.

O Ipea constatou que a crise não afetou a pobreza comparando a média nos períodos de outubro de 2007 a junho de 2008 e de outubro de 2008 a junho de 2009. Na primeira data, a taxa de pobreza era de 31,9%. Já no período mais recente, o índice recuou para 31%, mesmo tendo sido esta a fase mais aguda da crise financeira internacional, quando houve forte corte nos níveis de emprego no Brasil. Neste período, o estudo mostra que 503 mil pessoas deixaram a pobreza.

O Ipea avalia que a crise impos restrições à economia brasileira, mas a atual conjuntura tem "algo de novo" se comparado a outras crises. "Ao contrário dos períodos de 1982/83, 1989/90 e de 1998/99, quando a inflexão econômica implicava aumento da pobreza nas regiões metropolitanas, não se observa crescimento na taxa de pobreza desde o último trimestre de 2008."

Desigualdade

No mesmo período, o Ipea notou também uma queda na desigualdade de renda no Brasil. O índice de Gini alcançou seu menor patamar em junho de 2009 nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras e ficou em 0,493. O índice vai de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade.

Entre janeiro (0,514) e junho de 2009, o índice de Gini caiu 4,1%, a mais alta queda registrada desde o ano de 2002, mostrou o Ipea. De março de 2002 (0,534) até junho de 2009, o índice Gini caiu 7,6%. "Se for considerado o mês de mais alta medida de desigualdade, que foi dezembro de 2002 (0,545), a queda do índice de Gini até junho de 2009 chega a 9,5%", diz o comunidado do Ipea.