quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Sul é uma vítima da própria prosperidade?



Nesta entrevista a AMANHÃ, o economista catarinense Idaulo Cunha cobra mais atenção do governo federal aos três Estados do Sul e sustenta que a região é vítima da imagem de autossuficiência

Até 2015, os Estados do sul devem receber investimento superior a R$ 1,3 trilhão em infraestrutura.A estimativa está no Plano Plurianual das federações das indústrias de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que prevê o aporte necessário para abrir os chamados “fluxos possíveis” – caminhos alternativos para escoamento da produção industrial. 

No entanto, captar o aporte financeiro e agilizar as obras não deverá ser uma tarefa fácil. Segundo o economista e escritor catarinense Idaulo Cunha, o governo federal deveria ser o grande investidor em obras de infraestrutura. Deveria, mas não é.  “O caso de Santa Catarina pode ser o mais grave da região em função do menor peso político na esfera federal e pelo preconceituoso posicionamento de que o Estado já conquistou posição de destaque no Brasil”, analisa. 

Para Cunha, uma das principais dificuldades reside no fato de o Brasil ainda não ter enxergado com clareza que o modelo tecnológico-organizacional dos anos 90 mudou radicalmente. “Construir capacidade competitiva sustentável e competir com países asiáticos que estão dominando o mercado mundial exige uma nova visão do mundo e reconhecer que o Brasil é apenas uma média potência, com baixa taxa de crescimento real”, acredita.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista de Idaulo Cunha à redação de AMANHÃ:

Como você vê a situação de Santa Catarina  com o fim da “guerra dos portos”? 
Creio que o porto mais afetado será o de Itajaí, que realmente foi inflado para aproveitar as benesses da diferenciação do ICM. O ajustamento deverá custar empregos, receitas do Estado e impactará toda uma cadeia de serviços criada pelo artifício fiscal.

A “proliferação” de terminais portuários no litoral catarinense tende a continuar? 
Não considero que os portos de Navegantes e o de Itapoá tenham sido concebidos para se valer do diferencial de ICMS que beneficiava os portos catarinenses em geral. Eles têm suas bacias de captação de mercadorias e são complementares aos de Itajaí e São Francisco, respectivamente. Já a reativação do porto de Imbituba, outrora o escoadouro de carvão e de outras mercadorias produzidas no sul catarinense, pode sofrer colapso, pois os produtos de cerâmica perderam competitividade no mercado mundial e quando muito manterão as atuais quantidades exportadas. 

Quais os maiores gargalos logísticos de SC?
Unidades federativas como os três estados sulinos são ferreteadas pelo descaso do governo federal, que deveria ser o grande investidor em obras de infraestrutura essenciais para a manutenção da capacidade de competição na arena mundial- rodovias, aeroportos, portos. O caso de Santa Catarina pode ser o mais grave da Região pelo menor peso político na esfera federal e pelo preconceituoso posicionamento de que o Estado já conquistou posição de destaque no Brasil. A BR 101 está incompleta e, mesmo antes da sua conclusão, já tem trechos que exigiriam mais duas pistas. A BR-470, de Blumenau a Lages, está defasada.  Os portos de Navegantes e de Itapoá foram construídos e são operadas pela iniciativa privada. O governo federal trata Santa Catarina como um péssimo padrasto.

No Rio Grande do Sul, os governos federal e estadual prometem investir quase R$ 5 bilhões nos próximos quatro anos em rodovias. Qual a situação das rodovias catarinenses? 
Já descrevi anteriormente o que avalio em relação a grandes obras viárias requeridas para realavancar o poder de competição de Santa Catarina e as respostas dadas concretamente pelo governo federal - um caos. A atual dobradinha político-partidária PT no governo federal e no Rio Grande do Sul até poderá transformar planos mirabolantes e midiáticos em obras reais, mas tenho minhas dúvidas. O insucesso do conjunto de coisas diferentes que compunham o épico PAC e seu filhote PAC2 são provas suficientes para duvidar da efetividade do conjunto de obras que beirariam os US$ 3 bilhões. 

Como você avalia a infraestrutura logística de Santa Catarina na comparação com Paraná e Rio Grande do Sul? 
Não consigo encontrar diferenças substantivas, pois o nó górdio  é o governo federal. Sobre a alocação de recursos federais para investimentos, os Estados pouco podem influenciar, já que o nível de investimentos brutos sobre o PIB é de apenas 19% e as sobras orçamentárias são disputadas com critérios não ortodoxos.

No Brasil, a cultura do “rodoviarismo” é notória. Como incentivar o multimodalismo e democratizar o transporte de cargas? 
Em diversos períodos foram realizados esforços para iniciar o uso racional das vias de transportes, mas as iniciativas foram episódicas e limitadas.  O Brasil não tem plano de desenvolvimento e não enxergou com clareza que o modelo tecnológico- organizacional que prevaleceu até meados dos anos 90 mudou radicalmente. Construir capacidade competitiva sustentável e competir com países asiáticos que estão dominando o mercado mundial exige uma nova visão do mundo e reconhecer que o Brasil é apenas uma média potencia, com baixa taxa de crescimento  real. 

Em sua opinião, a situação das hidrovias, ferrovias e aeroportos catarinenses é satisfatória? 
Absolutamente, já acentuei que nosso Estado é tratado com desconsideração pelo Governo Federal, que é o detentor da massa de recursos que poderia ter melhorado o sistema infraestrutural do Estado. O Sul em geral é vitima do seu próprio processo de desenvolvimento diferenciado. Montou um parque produtivo lastreado no setor industrial e uma  agricultura voltada ao mercado externo. Em ambos os setores as atenções do governo federal são de desdém, pois as prioridades voltam-se a projetos para o futuro- petróleo, resgate do Nordeste, minérios em geral.  O Sul é considerado como autônomo e autossuficiente. Daí o descaso àquela região que é, pelo seu trabalho, um exemplo para o Brasil, mas que está perdendo competitividade pela omissão e falta de competência do governo federal.

Mais informações sobre a infraestrutura e indicadores econômicos de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul você encontra na edição A Força do Sul, que chega às bancas nesta semana.

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