Cortes bilionários em Portugal e na Espanha reduzem benefícios sociais e
investimentos na Educação e na Saúde enquanto cresce o desemprego e a desilusão
com o futuro
Últimas grandes vítimas da crise na zona de euro, Espanha e Portugal têm
uma geração colocada em xeque diante das medidas de autoridade impostas pela
União Europeia para que consigam equilibrar as contas e evitar o colapso do
euro.
E ninguém tem sentido tanto o baque quanto o jovem espanhol, que teve no
segundo trimestre do ano mais um recorde de desemprego. Dos quase 5,7 milhões
sem trabalho em todo o país, 16,8% são de jovens menores de até 25 anos, de
acordo com dados do governo. Dentro desta faixa etária, 53% estão parados e,
quando conseguem alguma atividade, ela é apenas temporária e paga menos de 1000
euros (R$ 2500), como acontece com Mimi de la Torre, de 22 anos, em Jaen, na
Andaluzia, província do sul que amarga a liderança de desemprego em toda União
Europeia.
“Nunca tive dinheiro suficiente para fazer o que gosto, como viajar, nem
de viver fora da casa de meus pais, ou comprar um carro. É muito complicado
para o jovem ter independência econômica. Só consigo viajar agora depois de ter
economizado durante um ano.”, diz a jovem, que já trabalhou como garçonete,
professora de inglês e em um sindicato, seu único contrato formal.
A família da estudante também conhece de perto o significado de
austeridade, . “Meus pais têm algumas ajudas para contratação na lanchonete,
mas minha irmã de 28 anos perdeu todos os benefícios para jovens empreendedores
e para autônomos. Também ficamos sem uma ajuda por termos uma família numerosa,
com três irmãos”.
Jovens protestam em Barcelona, na Espanha, contra cortes de
investimentos na área de Educação
Em grande centro como em Barcelona, o retrato pouco muda. “Tudo está
mais caro. A universidade, os transportes, a luz, a água, o gás, a gasolina e o
IVA (imposto de valor agregado). Divido apartamento com minha namorada e mais
dois amigos”, conta o engenheiro e artista de circo de Barcelona, Pau Quesada,
de 26 anos, que também viu desaparecer a ajuda de 200 euros (cerca de R$ 500)
para aluguel (que chega a 700 euros) garantida pelo governo. “Se você é jovem
na Espanha é melhor ir embora. Este é o sentimento que se respira”, afirma.
Engenheiro recém-formado, mas sem experiência, ele conta que obstáculos
colocados por empregadores como especializações e diversos idiomas são uma
dificuldade extra, e há quem escolha trabalhar como garçom ou balconista para
não ficar parado. “As empresas querem engenheiros com experiência, que tenham
pós-graduação ou especialização, que saibam falar castelhano, catalão, inglês
perfeito e mais um quarto idioma optativo entre francês, alemão, português ou
chinês. Isto faz com que uma pessoa que tenha estudos de engenharia, ou de
qualquer outra área, vá para o exterior cobrando mais”, explica.
Além da mãe desempregada, outro reflexo direto da crise preocupa o
catalão: “Avançaram a idade mínima para a aposentadoria de uma maneira que
mesmo que trabalhe até os 67 anos sem parar não conseguiria me aposentar pelo
teto.”
Nem mesmo com números de circo, sua atividade paralela, Quesada tem
obtido o retorno desejado e conta ter que pular de grupo em grupo para
conseguir completar a renda. “Antes era possível viver com um espetáculo
próprio ou com uma companhia só, havia subsídios e algumas cidades investiam em
festas. Agora não há praticamente nada e demoram um ano para pagar”.
Aceitar o nova ajuda bilionária tornaria mais rígidas as metas exigidas
pelos “homens de preto” da União Europeia (segundo expressão usada pelo
ministro da Fazenda Cristóbal Montoro). O economista Ricardo Torres, diretor da
Norfolk Advisors, vê repetição do erro cometido com os últimos países que foram
à UTI por conta da crise: “As pessoas estão endividadas, as empresas estão
endividadas e os governos estão quebrados. Desta forma, quando se coloca
dinheiro novo apenas para quitar dívida, você não investe na economia, reduz a
necessidade de consumo, de produção e provoca uma menor oferta de empregos e,
portanto, demissões”.
A piora da situação fez o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy
admitir que já não é mais possível pagar as contas com taxas cobradas pelo
mercado para empréstimos. Se antes admitia-se que os 100 bilhões de euros (R$
250 bilhões) seriam suficientes para sanear bancos e retomar confiança do
mercado, agora discute-se de que maneira o país será o quarto integrante da
zona do euro (após Grécia, Irlanda e Portugal) a passar o chapéu.
A relutância da Espanha em passar o chapéu por um resgate completo sem
pensar duas vezes pode ser justificada quando se olha para o outro lado da
fronteira. Portugal recebe parcelas do empréstimo de 78 bilhões de euros junto
à “troika” (FMI, do Banco Central Europeu e Comissão Europeia) desde abril de
2011 e, apesar da recessão, o PIB já tem contraído menos (de -1,3% no primeiro
trimestre para -0,1% no segundo). Mas não sem a tal austeridade.
Com salário de quase 1000 euros (R$ 2500) por mês, o professor de enfermagem
José do Poço, de 53 anos, de Vila Real, cidade de 51 mil habitantes ao norte de
Portugal relata que quem mais sofre com a crise é da classe média e se
endividou com a compra de casas e de carros. Poço conta ter ajudado cerca de 30
alunos a encontrar emprego, principalmente na Suíça.
Se na vida profissional serve de “anjo” e conta ter ajudado cerca de 30
alunos a encontrar emprego -- principalmente na Suíça --, dentro de casa o
aperto no orçamento atingiu até hábitos antes considerados essenciais como gasolina.
“Hoje quase não uso carro, só bicicleta, mas a moda custa para pegar. Português
é orgulhoso, temos o combustível mais caro da Europa, mas tem gente que gasta
os últimos centavos para abastecer”, diz.
A saída para os problemas pode estar justamente no Brasil. ”Minha esposa
é carioca e está em Portugal há 27 anos. Talvez meus filhos engenheiros, que
são luso-brasileiros, tenham que fazer a travessia do Atlântico em sentido
inverso”.
Em outra pequena cidade portuguesa, Torres Vedras (79,4 mil habitantes),
a estudante pós-graduação, Daniela Miranda, de 23 anos, vê a renda de sua
família flutuar entre 800 e 1200 euros (R$ 2000 e R$ 3000) e com cada vez menos
ajuda de programas sociais do governo: “Minha mãe tem um salão de cabeleireiro
e tem tido visivelmente menos trabalho, já que as pessoas perderam poder de
compra e não é um serviço essencial”, conta. O pai, funcionário público, também
perdeu férias e uma parte do subsídio de natal.
Para “caber na
crise”, além da Educação, que teve bolsas de estudo reduzidas em 200 euros (R$
500), a estudante conta que houve uma grande revisão nas taxas da saúde, que
não eram reajustadas há mais de 20 anos. “Muitas coisas aumentaram mais de
200%, como atestados. A consulta também subiu e querem fechar o serviço de urgência
e a maternidade”.