terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Nassif analisa "decadência editorial" de O Globo

O jornalista Luis Nassif realiza em seu portal um estudo de caso sobre o que considera "surpreendente" e "profundo processo de decadência editorial" do jornal O Globo. O "exemplo do dia" – pois "todo dia é possível colher algo assim" – fala sobre a "hora ideal para lançar Serra" à Presidência, mas demole na segunda parte todo o raciocínio que sustentou a primeira. Veja a íntegra, e a matéria que suscitou a crítica.

Dentre todos os veículos da velha mídia, nenhum sofreu processo tão profundo de decadência editorial quanto O Globo. E surpreendente, porque poucos anos atrás caminhava para ser o melhor jornal brasileiro. Tinha punch na reportagem, começava a ser rigoroso nas apurações. Uma espécie de Estadão com garra.

Nos 50 anos do Esso, que fui jurado, era o único velho veículo com reportagens competitivas. Todas as grandes reportagens eram da mídia regional, fora do eixo Rio-São Paulo.

Sinceramente não sei o que aconteceu. Nem se fale de manipulação ou outras manobras de uso geral. A decadência é técnica. É não bater manchete com texto de primeira página.

É claramente uma deterioração das chefias. Percebe-se que muitas matérias chegam com informações corretas. Na redação são manipuladas ou no título ou no lide (a abertura e parte mais visível das matérias).

Aí vai um exemplo do dia. Aliás, todo dia é possível colher algo assim.

A matéria abre dizendo que “diante do quadro favorável na pesquisa”, Serra sairá candidato a presidente. Ora, é de conhecimento ATÉ dos leitores de O Globo que as últimas pesquisas foram desfavoráveis, mostrando Dilma se aproximando dele.

A matéria vai desenvolvendo todo um raciocínio de defesa da preservação do Serra, mantendo-o candidato em off, porque as pesquisas são favoráveis.

Do meio para frente, a matéria muda:

"A ofensiva da campanha petista, porém, acendeu a luz amarela no campo oposicionista, principalmente após a divulgação da recente pesquisa CNT/Sensus. Nela, Dilma cresceu cinco pontos percentuais, e aparece tecnicamente empatada com Serra. Ainda assim, o PSDB não pretende antecipar a entrada do tucano na disputa."

Ou seja, todo o raciocínio que, sustentou a primeira parte da matéria foi demolido pela segunda parte. Essa lambança foi do repórter? Duvido. Ele juntou todos os ingredientes, mostrou o falso otimismo calculado de Guerra à luz das últimas pesquisas. A manipulação ocorreu no aquário.

Outro dia conversei com uma colega que tem conversas em off com Sérgio Guerra. O presidente do PSDB – que não é um primata – no fundo está no mato sem cachorro, sem conseguir convencer Serra a se lançar candidato, sem obter dele o discurso político. Sem nada à mão dedica-se a esse trabalho minúsculo de atacar a adversária.

Mas tenta-se passar, no trabalho de edição de O Globo (porque a matéria chegou corretamente, com todas as informações) a ideia de que a indecisão é fruto de estratégia pensada, articulada, sob controle.

Por Maria

Nassif, trabalhei no Globo em anos recentes. Existe um longo caminho que vai da apuração à primeira página do jornal. São áreas que parecem ser de veículos diferentes, com objetivos distintos. É de arrepiar.

É coisa de um ou dois mandarins que enfiam uma coisa na cabeça pela manhã com hipóteses, são desmentidos na reunião do final da tarde, mas assim mesmo bancam a ideia inicial ao fechar a primeira página para o dia seguinte.

É o método de trabalho do famoso aquário.
De O Globo
Tucanos avaliam hora ideal para lançar Serra

Dirigentes adiam ao máximo apresentação da candidatura ao Planalto, afinados com estratégia do governador

Flávio Freire

SÃO PAULO. Não há mais dúvida no ninho tucano: o governador paulista, José Serra (PSDB), decidiu que concorrerá este ano à Presidência. Diante do quadro favorável nas pesquisas, resta somente, para a direção do partido, saber até que ponto é possível esticar a corda em relação ao momento ideal para lançar a candidatura.

Ao avaliar os prós e contras de uma campanha antecipada, a cúpula prefere evitar uma exposição desnecessária do governador nesta reta inicial. A direção tucana estaria atendendo ao apelo do governador, que rechaça a tese de que o lançamento da candidatura apenas em março ou abril favoreceria a campanha da ministra de Dilma Rousseff (PT).

— A nossa campanha, neste momento, é a de não dar pretexto a ninguém sobre a candidatura.

Não faz sentido expor o Serra por aí. Claro que Serra já é o candidato, disso não há dúvidas, mas a hora é de preparar nossa base para a campanha deste ano — diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Resultado de pesquisa eleitoral alerta tucanos Para o dirigente tucano, há reflexos mais positivos do que negativos nessa estratégia.

— Com o Serra distante da eleição, fica para o juízo da população apenas a candidatura de Dilma. O desgaste é maior quando se entra numa campanha, e quanto mais tempo você está nela, mais estará sujeito a críticas. Tanto que nem Marina (Silva), nem Ciro (Gomes) colocaram o bloco na rua oficialmente — analisa o senador pernambucano, um dos mais próximos do governador paulista.

A ofensiva da campanha petista, porém, acendeu a luz amarela no campo oposicionista, principalmente após a divulgação da recente pesquisa CNT/Sensus. Nela, Dilma cresceu cinco pontos percentuais, e aparece tecnicamente empatada com Serra. Ainda assim, o PSDB não pretende antecipar a entrada do tucano na disputa.

A convenção nacional do PSDB está marcada para junho.

Até lá, o partido concentrará esforço nas negociações em torno do candidato a vice. Embora o governador de Minas Gerais, o tucano Aécio Neves, já tenha descartado a possibilidade de assumir o posto, há quem ainda defenda seu nome, sobretudo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal defensor de uma chapa puro-sangue, com Aécio de vice. Em meio às especulações, o governador mineiro decidiu entrar de férias nesta semana.

Ficará 11 dias afastado da política. Uma possível chapa purosangue é, ainda hoje, a ideia mais defendida no partido.

Refratário à antecipação de seu nome, Serra conta com apoio a essa posição dentro do partido. O governador tem exigido dos líderes tucanos que evitem o confronto com Dilma. Ele prefere que o debate fique na esfera de comparações do governo Lula com o de Fernando Henrique Cardoso.

Assim, elimina qualquer chance de sua administração ser transformada em vidraça na atual conjuntura. O ex-presidente endossa a cautela do governador.

— Acho que ele tem que esperar mais um pouco — disse semana passada Fernando Henrique, que não tem escondido seu apreço por uma chapa purosangue. — Todos sabem da minha amizade com o Aécio, e acho que ele vai tomar a decisão mais acertada.

Aos poucos, Serra começa a tratar do assunto com um pouco mais de tranquilidade. Contou quarta-feira, após encontro com a cantora Madonna, que teria falado com ela sobre a disputa pela Presidência.

Serra deverá se desincompatibilizar do cargo que ocupa até 3 de abril. Com isso, deverá assumir o governo de São Paulo o vice-governador, Alberto Goldman, também tucano e que foi ministro dos Transportes na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

MUDA O 'MIX' DO CRÉDITO NOS BANCOS

jornal Valor Econômico 10/02/2010 - Fernando Travaglini
A expectativa de um crescimento do PIB acima de 5% combinada com a demanda reprimida das empresas ao longo de boa parte do ano passado são os ingredientes para uma mudança no "mix" das carteiras de crédito dos grandes bancos privados. À medida que as instituições financeiras registram menores índices de calote, o nível de confiança avança e o foco volta a apontar para o segmento de empresas.

Tanto Itaú Unibanco - que publicou ontem lucro de R$ 10 bilhões - quanto Bradesco divulgaram perspectivas de crescimento do estoque de crédito para as empresas, especialmente pequenas e médias, acima dos níveis esperados para o crédito ao consumo neste ano.

O Itaú Unibanco vê crescimento total da carteira de crédito em 20%, mas acredita em avanço menor, de 16% a 17%, entre as pessoas físicas. Já o Bradesco prevê evolução de até 25% das suas operações de empréstimo, com o consumo ficando entre 16% e 20%, enquanto pequenas e médias pode atingir vigorosos 32% de expansão em 2010.

Essa mudança já pode ser vista nos números dos balanços do quarto trimestre. No Santander, o segmento de pequenas e médias avançou 4,5% e de grandes empresas, 7,7%. No Itaú, o estoque para as pequenas e médias avançou 7,6%, nos últimos três meses do ano e a tendência se mantém nas primeiras semanas do ano, diz Silvio de Carvalho, diretor-executivo do banco. "O primeiro trimestre não é muito ativo, mas a demanda, na nossa visão, vai ser maior do que nos anos anteriores", disse, ontem, em teleconferência com a imprensa.

O Bradesco também sente movimento semelhante. "Estamos com muita demanda por investimento", afirmou Domingos de Abreu, vice-presidente da instituição, quando da divulgação dos resultados, há duas semanas.

De acordo com o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, o crescimento acelerado da economia, acima de 5%, leva a uma necessidade maior de recursos para investimento e para capital de giro por parte das companhias e isso deve puxar o desempenho do país. "Se o motor num primeiro momento (da retomada) foi o consumo, o motor em 2010 vai ser o investimento", diz.

Além da maior demanda das empresas, Trabuco ressaltou que o crédito para consumo pode ter uma leve desaceleração em relação ao ritmo pré-crise por conta de uma base maior, acumulada nos últimos anos de forte crescimento, mas também pelo grau de endividamento das famílias. "A pessoa física tem um limite que é dado pela sua capacidade de pagamento e pela própria renda", alertou.

A própria evolução da economia real deve ditar um ritmo menos acelerado para alguns segmento, como é o caso das carteiras de financiamento de veículos, que hoje representam um terço do total do mercado de pessoas físicas. O Bradesco, por exemplo, espera um avanço entre 10% e 14%, abaixo dos 32% a 36% projetados para os empréstimos consignados.

A grande vedete no consumo continua sendo o crédito imobiliário. O Itaú espera avanço de 40% da carteira, enquanto o Santander, que detém hoje o maior estoque entre os privados (R$ 9,086 bilhões), também vê o segmento como um dos que devem ter bom desempenho neste ano.

Essa mudança no mix da carteira, com volta mais forte da oferta de linhas para pequenas e médias empresas, mostra a retomada da confiança dos bancos em conceder crédito. Afinal foi esse o segmento que deu mais dor de cabeça para as instituições durante a crise com a aceleração dos calotes.

A inadimplência das companhias atingiu um pico de 4% no meio do ano passado, o dobro do patamar pré-crise e muitos bancos tiveram de renegociar boa parte dos contratos. "A tendência é de melhora", diz Fábio Barbosa, presidente do Santander.

O cenário é mais promissor e os bancos estão sentados em provisões adicionais bastante representativas, de R$ 10 bilhões, somando os três privados. Segundo Carvalho, do Itaú, o banco está preparado para enfrentar um eventual ciclo de volatilidade da economia.

Crise, explosão de inadimplência, retração do crédito e ofensiva dos bancos públicos. Nada disso foi suficiente para reduzir os ganhos das instituições financeiras privadas, que mantiveram em 2009 seus lucros nos mesmos patamares do ano anterior. Somados, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander atingiram quase R$ 20 bilhões de lucro líquido (R$ 19,884 bilhões), com avanço de 3,5%.

Para este ano, as perspectivas são bem mais favoráveis, o que deve indicar resultados ainda melhores. O mix da carteira com maior avanço entre as empresas médias deve garantir maiores margens, comparado aos spreads de grandes companhias, além da queda das despesas com calote, dada a melhora da carteira.