domingo, 4 de março de 2012

Concessão pública e Privatização não é a mesma coisa


Pedro Benedito Maciel Neto
Publicado em 27-Fev-2012
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Transcorridos vários anos do processo de privatização no Brasil - que atingiu seu ápice na década de 90 -  temos elementos hoje para se fazer uma avaliação destas ações e seus desdobramentos e considerações sobre o modelo resultante do processo e a recente privatização da gestão de aeroportos.

Como afirmei em meu artigo anterior - Uma análise sobre as privatizações no Brasil -, o resultado final das privatizações durante os anos 90 revelou um aspecto peculiar do programa brasileiro: algumas aquisições somente foram feitas porque contaram com a participação financeira dos fundos de pensão das próprias empresas estatais (como no caso da Vale) ou da participação de empresas estatais de países europeus. 

No governo Lula, porém, as privatizações limitaram-se a alguns bancos e deu-se prioridade a outro modelo denominado concessão - ocorreram concessões de rodovias. E aí reside a questão: é verdade que as privatizações continuam a acontecer nos governos Lula e Dilma? E a resposta é: não, não é verdade.

É sobre isso que pretendo refletir e compartilhar o resultado dessa reflexão tanto com os defensores do modelo tucano, quanto com os defensores do modelo do atual governo. Registro como leitura necessária os artigos do aeroportuário Plínio Erickson que questionou recentemente, entre outros pontos, a opção do governo por privatizar três rentáveis aeroportos, que de certa forma cobriam os custos da Infraero com a gestão de aeroportos não-lucrativos; e do Dr. Daniel Ganem Misse, sociólogo e advogado que faz uma reflexão sobre as agências reguladoras, elemento fundamental no modelo econômico implantado no país a partir dos anos 1990, no Jornal dos Economistas de fevereiro de 2012 (leia íntegra).

Há uma confusão em torno do significado jurídico das categorias "privatização" e "concessão". Confusão que sido bastante estimulada pelos defensores da privatização do patrimônio público e não tem sido adequadamente esclarecida pela imprensa ou pelos seus “especialistas”. O que se pretende com essa confusão é mitigar o significado das privatizações realizadas pelos governos do PSDB nos Estados e no governo federal. Talvez até para reduzir o impacto que o livro "A Privataria Tucana" do jornalista Amaury Jr. tem causado.

O fato é que concessão pública e privatização não é a mesma coisa. A concessão ou Poder Concedente é uma das principais prerrogativas do Estado moderno, juntamente com o monopólio legítimo do uso da força dentro de seu território e a defesa de seu território e população perante agressões externas. Tem raiz histórica no poder dos imperadores de concederem a exploração de recursos naturais, comércio ou serviços públicos a entes privados mediante condições pré-definidas e o pagamento de taxas ou impostos específicos.

Diferentes dos direitos sejam históricos, adquiridos ou conquistados, as concessões costumam ser temporárias e parciais, geralmente condicionadas a determinado conjunto de regras ou leis pré-estabelecidas por aquele que concede, no caso o Estado e são sempre revogáveis. Assim, o Estado tem a prerrogativa legal de retirar uma concessão quando julgar necessário ou quando o concessionário não cumprir com algumas das condições definidas pelo Estado.

De forma diversa a Privatização ou desestatização é o processo de venda de uma empresa ou instituição do setor público - que integra o patrimônio do Estado - para o setor privado, geralmente por meio de leilões públicos. No Brasil, o processo de desestatização consistiu principalmente em tornar o Estado um sócio minoritário, pois grande parte das empresas já era de capital aberto, com ações negociadas em bolsa de valores e o Estado Brasileiro, através do BNDES, continuou como sócio minoritário.

Penso que são modelos diferentes e quem afirma o contrário está desinformado ou está de má-fé. Especialmente porque na modalidade concessão o patrimônio segue sendo do povo brasileiro e porque apesar de tudo que foi efetivamente privatizado no modelo neoliberal a dívida total líquida da União (interna e externa) saltou de R$ 87,8 bilhões em dezembro de 1994 (25,13% do PIB) para R$ 1.103,9 bilhões em dezembro de 2002 (80,94% do PIB). Crescimento real em relação ao PIB de 222,05%, apesar de todas as privatizações e da perda de patrimônio público.



Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA e CONSULTORIA, professor e autor, dentre outros de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi (2007)

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